domingo, 30 de janeiro de 2011

Pobres à Força


Interior de pobres, 1921, Lasar Segall

Somos uns grande patos é o que somos! Acreditámos sempre na capacidade de aprendizagem das pessoas e assistimos impávidos e serenos ao desmoronar de um país. Convencemo-nos que as pessoas aprendem com os erros. Qual quê? Lérias e mais lérias.
E quando pensamos que não é possível cavar mais fundo, já o buraco está maior. E não se julgue, a não ser que teimemos em ver a realidade como ela nos é vendida e não como ela é, que é azar, consequência imprevisível, intervenção obscura de ente desconhecido, não, é obra de coveiro de carne e osso a quem ingenuamente e de mão beijada entregámos pá e alvião para a empreitada.
Sob o imenso lodaçal em que meteu o país, acha o governo que a solução para a crise passa por retirar percentagem do salário aos funcionários públicos. Mas não a todos. O sentido democrático que esta gente revela é assustador. Admitem-se excepções ou adaptações como lhe chama o ministro para acalmar a fúria, protegido pela bênção do principal partido da oposição e pelo tradicional voto de silêncio do Presidente da República sobre matéria complicada.
Não bastava a desolação natural pela carreira estagnada à uma série de anos. Não era castigo suficiente a simples evaporação do abono de família, poucos meses após o anúncio do pseudo incentivo à natalidade. Não era perturbador bastante a aplicação de um sistema de avaliação que, ao contrário do que se afirma, não garante, nem de perto nem de longe, a recompensa do mérito e da excelência.  Não era punição razoável a imagem pública negativa que carregam às costas, tantas vezes culpa maior das orientações políticas centrais.
Não! Era preciso ir-lhes directamente ao bolso, tirar-lhes à vista desarmada aquilo que legitimamente conquistaram, como se não fossem dignos daquilo que ganham e ignorando-se os compromissos que as pessoas assumiram de pleno direito.
É o empobrecimento à força que está em curso. Não se percebe como é que isso pode salvar o país, mas alguém acha que sim. Lá estão contudo os antigos para nos actualizarem com a sua sabedoria: “a pobreza nunca em amores fez bom feito”, dizem. Já não tarda muito para ninguém morrer de amores por Portugal.

Publicado no Cidade Hoje Jornal em 09-12-2010

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