segunda-feira, 30 de maio de 2011

HISTÓRIAS SIMPLES

Se é certo que o avanço científico e tecnológico veio revolucionar o mundo, também é verdadeiro que, ao contrário do que seria de prever, a vida tem vindo a complicar-se gradualmente. Claro que é extremamente confortável escrever estas linhas no teclado de um computador que apaga os erros sem deles deixar rasto, enquanto ainda nos sugere alternativas ortográficas. Ou aproveitar a mesma ferramenta para conhecer o mundo e o que nele se passa!. Não menos real contudo, é que a simplicidade da vida tem vindo a evaporar-se gradualmente. Recebi há dias uma apresentação informática bem demonstrativa disso mesmo. Através dela, recordava-se o tempo, relativamente recente de resto, em que um aluno poderia naturalmente chumbar sem que isso implicasse um passaporte imediato para a psicologia. Em que a malta lá do bairro bebia água do poço sem se preocupar minimamente com o seu grau de pureza, depois de uns sprints de bicicleta sem capacete, joelheiras e afins. Os pais não tinham o mínimo controlo sobre as brincadeiras dos filhos. Dentes, braços e pernas partidas era consequência natural dos excessos e não culpa do piso da estrada, do muro do vizinho ou da tabela do campo de jogos da associação lá da terra. Enquanto isso, o mundo dos adultos prescindia das muralhas que, cada vez mais, envolvem as habitações, das câmaras de vigilância e das sessões de terapia colectiva, que mais não fazem do que compensar a falta de amigos e de relações interpessoais. A vida era bem mais simples, mas, quer-me parecer, bem mais feliz! Depressão era conceito desconhecido. Ansiedade Generalizada, Fobia Social, Transtorno obsessivo-compulsivo, idem aspas aspas. Sim, a média de vida aumentou, vivemos mais anos. Mas isso não significa que a desfrutemos mais do que antigamente ou, pelo menos isso seria de esperar, que estejamos a salvaguardar a possibilidade de as novas gerações o fazerem.
Como afirmou Edgar Morin, sociólogo e pensador francês contemporâneo, “Estamos a perder a promessa do progresso”. Seria naturalmente espectável que os avanços científicos e tecnológicos conduzissem o Homem a um crescente desfrute da vida e da humanidade. Paradoxalmente, quem ganha terreno é o isolamento e as psicoses. Consequentemente, crescem as assimetrias, as tensões sociais e os conflitos.
O mundo está a complicar-se. Já não existem histórias simples.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Pelo andar do Caranguejo

Sou daquela geração que sente inegável dificuldade em orgulhar-se da sua portugalidade. Bem nos podem dizer que somos uma das mais velhas nações do mundo, que a nossa língua é falada em cinco continentes, que abrimos novos mundos ao mundo, que fomos os primeiros a abolir a pena de morte, que dividimos o mundo em dois e que descobrimos a via verde, a verdade é que sentiremos sempre muitas reticências em pularmos de contentamento pela nossa lusa condição.
Nascemos com a alvorada de abril e com os ares da anunciada liberdade acreditámos num país desenvolvido e próspero. Entretanto, abriram-nos as portas das universidades, falara-nos em formações e especializações e acenaram-nos como uma Europa rica, solidária e fraterna. Assistimos a tudo. As TV’s coloriram-se, os computadores apareceram, a internet invadiu as nossas vidas, os cd’s deram cabo das K7 e tantas, tantas outras maravilhas. O mundo aproximou-se, literalmente. O que era distante ficou perto, o que era lento ficou rápido, o que era rude ficou estético.
E enquanto durava todo este edílico não fomos capazes de perceber que quem crescia realmente e de forma sustentada era o vizinho do lado, além-fronteiras. Fomos todos na onda do entusiasmo. Cidadãos que se endividaram. Governantes que administraram mal. Políticos que se enredaram no corporativismo. Juízes que não julgaram. Professores que não ensinaram.
Hoje estamos onde estamos. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, o nosso país está na eminência de registar a maior quebra do poder de compra dos últimos 27 anos. Não, não é culpa da contingência internacional. É culpa nossa e das ilusões que nos cegaram. Em 2012, Portugal arrisca-se a ser o único país no mundo em recessão. É verdade que muitos tiveram a sua crise, enquanto outros a continuam a ter, mas nós andámos nisto há demasiado tempo. O pântano já vem de longe. Sim, há muitos anos que a minha geração tem carreiras congeladas, sonhos desfeitos, promessas adiadas, futuros ameaçados.
Desculpem, mas não, não me entusiasmo!

Amanhã, 19-05-2011, no Cidade Hoje Jornal

quarta-feira, 11 de maio de 2011

O insano, o fúnebre e os imbecis


O Grito de Munch
  
O homem é um artista. E para além de artista é vesano. Às primeiras palavras que José Sócrates debitou no passado dia 3 de Maio, quando era suposto anunciar o pacote de austeridade sugerido pela dita troika, já o delírio era uma evidência. Não vai acontecer isto, não vai acontecer aquilo, e também não vai acontecer aqueloutro. Do que vai realmente acontecer, e que seria supostamente o motivo do direto e televisivo comunicado ao país, nem uma palavra. Tudo em paz. Tudo tranquilo. Só desafogos portanto. Alívio em cima de alívio. Elucidativo só mesmo o ar de velório do reaparecido ministro Teixeira dos Santos.
No dia seguinte, já sem os devaneios e exaltações do primeiro-ministro a entrar-nos porta dentro, a dura realidade começa a chegar-nos aos poucos: vem aí mais impostos, menos prestações sociais, o gás e a luz vão aumentar, os desempregados vão pagar IRS, os despedimentos vão ser facilitados, etc. etc... De uma maneira ou de outra, ninguém fica de fora e todos vão sofrer ainda mais duramente as consequências da incompetência com que fomos governados nos últimos anos.
Como é que o homem mantém tão altas intenções de voto? Essa é uma parte difícil de explicar. Não porque não saibamos a resposta, que sabemos, mas porque nos é demasiado custoso exprimi-la, confessá-la. E para não ficar eu com o ónus da coisa, socorro-me de Guerra Junqueiro e das suas conhecidas e esclarecedoras palavras escritas no “Pátria”, em 1896, a propósito dos portugueses: 'Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas...'
Amanhã, 12-05-2011, no Cidade Hoje Jornal